Logística reversa: a expressão soa difícil, mas
contém um bom princípio. Introduzido na gestão ambiental, estabelece uma
corresponsabilidade: quem gera resíduo também deve cuidar da sua reciclagem.
Tarefa para a verdadeira sustentabilidade.
Alguns exemplos ilustram o
assunto. Veja na iluminação doméstica. Desde as ameaças do apagão de 2001, as
antigas lâmpadas incandescentes, aquelas com filamentos que produzem luz (e
calor) quando acesas, foram condenadas por causa do seu elevado consumo de
energia. Acabaram substituídas por novos produtos, mais econômicos e bem mais
longevos, embora mais caros: as lâmpadas florescentes. Os cidadãos se sentiram
mais "ecológicos" ao promover a troca da tecnologia.
Acontece que,
embora menos perdulárias em energia, as lâmpadas fluorescentes apresentam metais
pesados em seu conteúdo vaporoso, característica que as toma inimigas do meio
ambiente. Essa toxicidade exige que seu descarte seja cuidadoso, evitando
especialmente contaminar as águas, superficiais ou subterrâneas. Por isso,
quando uma lâmpada dessas parar de funcionar, ela deve ser levada a um ponto
certo de coleta, para ser corretamente reciclada, Pergunto: você conhece algum
lugar amigável desses?
De minha parte, nunca vi. Ninguém liga para o
recolhimento de lâmpadas usadas. A situação é grave, pois a cada ano se fabricam
250 milhões de unidades fluorescentes e somente 6% delas, no descarte, entram no
circuito da reciclagem. As demais se misturam com o lixo comum, enterradas nos
aterros sanitários depois de terem os seus vapores mercuriais vazados no estouro
dos invólucros envidraçados. Poluição somada ao desperdício.
Noutros
ramos de consumo se detecta facilmente semelhante problema. O Brasil tornou-se
recordista mundial na geração per capita do chamado "lixo eletrônico". Joga-se a
ermo, anualmente, cerca de milhão de toneladas de celuLres televisores,
aparelhos de som, computadores, juntamente com seus transformadores,
codificadores, placas, circuitos e tantos componentes mais. Além do volume,
estupendo, nos circuitos eletrônicos utilizam-se metais como cádmio, chumbo,
berílio e também compostos químicos que, se queimados, liberam toxinas
perigosas. Pergunto novamente: onde dispor corretamente os velhos aparelhos?
Difícil. Aqui e acolá, é verdade, se descobrem lugares para o descarte
ambientalmente correto de baterias. Com aparelhos velhos, uma ou outra loja os
aceitam. Tudo o que se faz, porém, representa pouco pe-rante o tamanho da
problemática, que só faz crescer. Basta vasculhar as gavetas das escrivaninhas
domésticas para se encontrar porcaria eletrônica encostada, principalmente
carregadores de celular, petrechos que nunca se acoplam no telefone novo
recém-adquirido. Dá até dó ver aquela bagunça eletrônica emaranhada.
Embalagens de eletrodomésticos, cheias de isopores, recipientes
plásticos de cosméticos e xampus, vasilhames de produtos alimentares, vassouras
e rodos de limpeza domiciliar, por onde se observa se percebe essa incrível
geração de resíduos sólidos, típica da sociedade de consumo. Os poderes
públicos, com honrosas exceções, pouco atuam na coleta seletiva, entregando o
problema às cooperativas de catadores, aos coitados moradores de rua. Desse
dilema nasceu a Logística reversa.
Incluída na Política Nacional de
Resíduos Sólidos (2010), a legislação brasileira consolidou-a como boa prática
ambiental. Mas, como sempre, a sistemática demora a sair do papel. As empresas
resistem a montar estratégias e estruturas para retirar do mercado os restos das
mercadorias que fabricam.
Existe, todavia, uma exceção: trata-se do
setor de agrotóxicos. É surpreendente.
Fruto de profícuo entendimento na
cadeia produtiva, intermediado pelo governo de Fernando Henrique Cardoso,
empresas, produtores Rurais, di stribuidores comerciais, sindicatos,
cooperativas e associações apoiaram a Lei 9.974 (2000), que estabeleceu a
obrigatoriedade das empresas fabricantes de recolherem as embalagens dos
produtos vendidos aos agricultores. Pouco tempo depois, as multinacionais
criavam o Instituto Nacional de Processamento de Embalagens Vazias (inpEV),
entidade destinada a gerenciar o sistema, avançando pioneiramente na agenda da
Logística reversa. Pasmem: dos agrotóxicos.
Antes, a situação no campo
andava complicada. Sem saber como proceder com os frascos vazios, os produtores
Rurais os enterravam, queimavam, jogavam nas bibocas, e até inadvertidamente os
reutilizavam como recipientes para servir água aos animais, pondo em risco a
saúde dos bichos, a sua própria e a do meio ambiente. Construída a solução,
articulados com as cooperativas e com os revendedores, a ela aderiram. Em massa.
Hoje os agricultores compram seus pesticidas e os utilizam, fazem a
chamada "tríplice lavagem" dos recipientes vazios - necessária para eliminar
resíduos tóxicos - e os retornam para as 414 unidades de recolhimento espalhadas
pelo território nacional. Estas direcionam as embalagens usadas para nove
centrais de reciclagem, incluindo uma fábrica de aproveitamento ("ecoplástieo")
de resina, montada em Taubaté (SP). Marcha à ré na rota da poluição no campo.
Exemplar, a experiência brasileira bateu o recorde mundial no
recolhimento de embalagens vazias de agrotóxicos, recolhendo, em 2012, 94% do
volume de recipientes. Esse índice supera longe o de países desenvolvidos, como
Alemanha (76%), França (66%), Japão (50%), Austrália (30%) e Estados Unidos
(30%). Feito sensacional da moderna Agricultura brasileira.
A lição
ambiental que vem da roça serve para a cidade. Basta querer fazer. Lâmpadas
queimadas, ou lixo eletrônico, deveriam ser entregues na porta dos vendedores.
Ou dos fabricantes. Eles que se virem.
Agrônomo, Foi Secretário de
Agricultura e Secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo
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